sábado, 8 de janeiro de 2011

A CRUZADA DE TIRIRICA



Francisco Everardo da Silva, o Tiririca, se elegeu Deputado Federal com uma votação mostruosa, como foi amplamente divulgado. O "politizado" eleitorado paulista, reduto da celebridade Mayara Petruso, foi além do voto de protesto, passando ao voto de deboche, elegendo um nordestino semi-alfabetizado para a Câmara Federal.

Em 2002, o fenômeno fora Enéas Carneiro, e em 2006, Clodovil Hernandez.

Enéas já era um político de certa rodagem, com três candidaturas à presidência no currículo e o controle absoluto de um partido nanico, mas que girava em torno dele. Usou desse poder para deixar a sua legenda ser absorvida pelo PR, que em troca lhe dava sobrevivência política.

Clodovil era um político iniciante, mas incrivelmente esclarecido, apesar de seu péssimo humor e impaciência absurdas. Chegou a apresentar projetos acerca da saúde masculina, reclamou no microfone do clima de feira livre do Plenário que não dava a mínima para quem discursava, mas também baixou o nível com a deputada Cida Diogo, cuja beleza foi alvo de comentários indelicados.

Tiririca chega, como ele próprio admite, sem experiência nem preparo. Confessa que não está preparado para subir à tribuna, e que possivelmente não o fará durante sue mandato.

E daí?

A maior parte dos discursos não tem a menor importância, nem para os próprios parlamentares, que entram e saem do plenário, lêem jornais, acessam a Internet, falam ao telefone, contam casos, fazem de tudo enquanto quem discursa gasta garganta.

A Câmara é composta por 523 membros, dos quais pelo menos 400 são do chamado baixo clero, um agrupamento que passa a maior parte do mandato à caça de recursos para suas bases eleitorais, passando o pires em diversos órgãos, além de tentar emplacar emandas no Orçamento que não raro, são cortadas, seja pelo relator, seja pelo Executivo. Essas verbas podem lhe render dividendos nas próximas eleições, ou podem ajudar aliados.

Alguns mais abastados conseguem indicar afilhados para ocupar cargos comissionados que poderão lhe render vantagens no futuro. Dificilmente o baixo clero ocupa cargos em comissões importantes.

Agindo na sombra, mas em conjunto, não tem pudor em aprovar vantagens pessoais, como o aumento de salários ou de outras remunerações indiretas. Em tempos de eleição da Mesa Diretora, essas vantagens pessoais são ótimos instrumentos de barganha.

Alguns apresentam projetos desnecessários, como a intituição do Dia Nacional Disso, ou a indicação de determinado município como a Capital Nacional Daquilo.

É nesse grupo que Tiririca deve se encaixar, pelo menos agora. Mas ele tem uma boa oportunidade para se destacar: a defesa da educação!

Isso mesmo. Concordo com um artigo de Gilberto Dimenstein sobre o tema. Tiririca teve o acesso ao ensino negado pelas condições em que viveu, e nada melhor que alguém que sofreu tanto defender quem ainda pode escapar desse sofrimento.

Pode defender que as verbas aplicadas no ensino sejam pelo menos melhor aplicadas, e se possível, em maior quantidade. Pode defender que o mantante aplicado atualmente, que hoje privilegia a quantidade, seja revertido em qualidade.

Pode defender que o ensino seja uma etapa de preparação para a vida, e n~çao para o mercado de trabalho, como muitos jagunços tecnocratas defendem.

Pode defender uma cobrança em cima dos professores, desde que a eles sejam dadas as devidas condições para tanto.

Pode defender que estados e municípios apliquem com clareza e justiça os recursos recebidos pelo Fundeb, sem aqueles contratos sem nenhuma vergonha, que vão beneficiar esse ou aquele, e não quem deve ser beneficiado.

A tarefa é dura, mas pode ser gloriosa.

O fato de ser pouco letrado pode ser amortecido por uma boa equipe de assessores, que pode lhe orientar bem. Além do mais, basata sair perguntando aos nossos congressistas, que logo ficará claro que a maioria não conhece itens legais básicos, como a verba constitucional reservada à educação e saúde, por exemplo.

Tiririca não pode ser encarado como causa, mas como consequência do descrédito da classe política. Descrédito merecido, diga-se de passagem.

Só para encerrar e descontrair (ou preocupar): Enéas e Clodovil, deputados campeões de voto em São Paulo nas duas eleições anteriores, não poderão acompanhar a atuação de Tiririca, por motivos óbvios.

Será a a maldição do campeão?

Te cuida, Deputado...