quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ENTREVISTA COM SWAMI BERGAMO


Leia a íntegra aqui

Observações: resumi a entrevista e sublinhei por conta própria

‘O Espírito Santo só está abaixo do Piauí em número de DTs’



Renata Oliveira

Natural de Itaguaçu, noroeste do Estado, o professor Swami Bergamo é uma das vozes mais fortes da área da educação no Estado quando o assunto é a busca pela valorização dos profissionais da área e a defesa da qualidade do ensino público. Formado em História, tem 12 anos de profissão e quatro de vida sindical.

Como secretário de Comunicação e Divulgação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (Sindiupes), vem denunciando irregularidades no tratamento do ensino público no Estado. (...) Fala também da falta de diálogo com o governador eleito, Renato Casagrande (PSB), que, segundo ele, ignorou convite para um debate dos candidatos com a categoria.

Século Diário: – Professor, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a educação no Espírito Santo, tanto do ponto de vista estrutural como pedagógico. Como o Sindiupes vê a situação da educação nos três níveis (infantil, fundamental e médio)?

Swami Bergamo: – (...)  Na verdade o que tem que ser mudado é a concepção que se tem do Estado sobre a educação. Você tem uma visão posta no atual governo, nos últimos anos – não só nos últimos oito anos, mas ela se intensificou nos últimos oito anos – de uma educação posta com uma visão mercadológica, como mercadoria. Esse tipo de visão é extremamente nociva para o ensino, tendo em vista que a educação é um direito garantido pela Constituição e nesse aspecto ela visa a garantir não só a formação acadêmica intelectual, mas também a formação do cidadão(...).

- E o que deve ser feito?

- Primeiro você tem que mudar a visão sobre a educação. Hoje não se tem, por exemplo, o problema do investimento, se a gente for comparar com o passado. Você tem recursos hoje no Estado, mas a questão é como esses recursos estão sendo aplicados. A gente entende que esses recursos estão servindo ao interesse dessa política de mercado. (...) Então eu avalio nessa conjuntura hoje, que ela serve para três questões: um aspecto é o de garantir a governabilidade, o outro aspecto é o de transferir o recurso público para o setor privado (...) No primeiro caso, a questão da governabilidade, a educação vira moeda de troca para a relação com a Assembleia Legislativa. E aí se constrói uma teia de relações de poder, que é usada como instrumento eleitoral, de manutenção de poder...

- O senhor está falando sobre a eleição direta para diretor de escola?

 - Estou me referindo a isso, a eleição direta para diretor de escola. Estamos iniciando a segunda década do século XXI e no imaginário popular o século XXI seria um século da modernidade, diferente, de prosperidade. (...) De 1988 para cá, com a Constituição e pela busca pela redemocratização, se construiu a ideia de que você tem que ter na gestão das escolas, na visão da educação, essa gestão democrática, que vai muito mais além do que só a eleição para diretor de escola. Mas a eleição para diretor de escola é um aspecto importante, um dos mais importantes.(...) Se não tem gestão democrática, eleição direta reflete o interesse de quem indicou e não necessariamente o interesse da comunidade escolar e real da escola. O que você tem na verdade são indicações hoje políticas dos diretores de escola e essas indicações são feitas pelos deputados estaduais, que loteiam o Estado junto com o governador e eles transferem também essas indicações para os seus aliados locais: prefeitos, vereadores, enfim... E aí a direção de escola assume um papel de ser mais um repressor do professor, e são raras as exceções, mas existem, que fazem um questionamento e colocam o interesse da educação em primeiro lugar (...)
- Recentemente foi vetado um projeto nesse sentido.

- Teve duas tentativas... duas. A Assembleia já tentou provocar o governo. Essa é uma iniciativa que tem que partir do Executivo, que na verdade deveria partir da alteração da Constituição Estadual (...)
(...)
- E o segundo aspecto?

- O segundo aspecto é a transferência de recurso público para o setor privado. Isso está acontecendo na esfera federal também. Você tem essas bolsas de recursos e, através do instrumento da terceirização. Aliás, esse é um tema proibido nas pautas de vários meios de comunicação, quando a gente fala sobre terceirização da merenda e não sai nada publicado (...) o próprio Conselho de Alimentação Escolar, que seria um órgão de fiscalização rejeitou as contas de 2008 do governo do Estado, e o que ocorreu é que logo após essa rejeição houve uma reunião do conselho e desde lá o Sindiupes não tem um assento indicado pela categoria nesse conselho. Foi uma alteração bem autoritária que aconteceu(...)


- Ou seja, quando se trata de terceirização ou de outros assuntos, a categoria não é ouvida...

- Não. É um traço muito forte dos últimos oito anos, deste governo, que a representação dos conselhos não vem sendo respeitada (...) E vale destacar que na gestão do governador José Ignacio foi justamente pela representação do Sindiúpes, pelo acesso à documentação do Fundef, que foi denunciada uma série de irregularidade e nós continuamos apontando essas irregularidades, mas isso não vem repercutindo porque existe um aparato de controle das instituições (...)


- E sobre o bônus desempenho?

- É outra visão também que é um reflexo da política neoliberal do governo, de tratar que a educação possa ter uma produtividade forçada.

- E essa produtividade é medida como?

- Pois é, ela esta relacionada ao resultado dos alunos em provas, em um primeiro momento, de português e matemática, nas provas como Saeb, esses exames. Entendemos que esta é uma visão equivocada. Qual o sentido disso? Primeiro porque essas provas só avaliam o resultado que o aluno tem, não avaliam o sistema e deveriam ter esse caráter de avaliar o sistema. E tratam como se o professor não quisesse ensinar o aluno. Como se tivesse que subornar o professor com esse bônus e para que ele venha a trabalhar e fazer com que o aluno aprenda. É como se dependesse do professor e não é assim.

(...)

- O governo Paulo Hartung está terminando e um novo período governamental se inicia. Qual a expectativa da categoria? O governador eleito já se reuniu com os professores? Há expectativas de melhora na relação entre professores e governo?

- O candidato que representa esse governo que foi eleito se colocou como candidato da continuidade, e isso muito nos preocupa, porque continuar o que está na educação, porque o que você tem hoje na educação é desrespeito ao professor, falta de gestão democrática. Só para citar, essa jornada ampliada, isso é uma farsa que está colocada. Você não está ensinando mais, você não tem mais tempo do aluno na escola. Você tem mais tempo, mas ele não é qualitativo. O sindicato defende que retorne as cinco aulas de 50 minutos. Com as cinco aulas de 60 minutos o professor não tem tempo de planejar, os professores hoje não têm tempo para se alimentar, você tirou a dignidade do professor.

- Porque não é apenas o horário de sala de aula, há também o tempo de preparação, não é isso?

- É garantido 20% para você ter a preparação, o planejamento, e isso não está sendo respeitado, porque é impossível se compatibilizar, saírem todos na última aula, você ficaria pelo menos com os professores, como a Sedu está orientando de Designação Temporária.

- E o professor também não trabalha em apenas um turno, não é?

- A Constituição garante o direito de o profissional da educação ter dois vínculos. Infelizmente, a gente ouviu do próprio secretário de Educação (Haroldo Correia) que “eu não tenho nada com isso”. Ele colocou dessa forma, em audiência. Que deixe um desses vínculos e fique só com o Estado. Isso também é desrespeitoso...

- Mas o governo não cobre se o professor deixar o outro vínculo?

- Ele não cobre. A gente só tem a repudiar essa atitude, porque um professor começa um turno hoje 7 horas da manhã e às 12h20 ele encerra esse turno da manhã... 12h30 ele está iniciando o turno da tarde. Cinco minutos ele tem para chegar à sala dos professores, outros cinco ele tem para almoçar, beber água, trocar o material e se dirigir de novo à sala de aula para iniciar o outro turno. Então não tem respeito, não tem dignidade. O professor não tem direito de se alimentar, muitos estão adoecendo. É grave e se isso continuar vai ficar uma situação muito séria e isso vem repercutindo diretamente na questão da qualidade. Você vê que o resultado do ano passado foi implementado para todo o Estado, mas já vinha sendo implementado há alguns anos... e o que ocorre? Os alunos têm ficado exaustos também. O próprio governo vem orientando aulas geminadas, a mesma aula em sequência e isso pedagogicamente não é indicado para o aluno de ensino fundamental e ensino médio. (...)


- Mas já houve algum encontro com o governador eleito?

- Nós agendamos um debate entre os candidatos, todos foram convidados oficialmente, e o candidato que ignorou nosso convite, literalmente ignorou, não sinalizou com resposta alguma foi justamente o candidato que venceu a eleição. Outro chegou a confirmar e depois desmarcou pela imprensa, extremamente indelicado. Dois apenas confirmaram. Infelizmente não realizamos o debate, porque houve o falecimento de um diretor do sindicato(...) Há muitos problemas na rede, que estão se refletindo na qualidade... tem muito professor em designação temporária. Em 2007, a revista Nova Escola publicou os resultados de 2006, e o Espírito Santo só estava abaixo do Piauí em número de DTs.

- Hoje são quantos DTs no Estado?

- Hoje são mais de 50% do magistério. Acredito que estamos em torno de 60% de DTs, deveria caber uma intervenção no Estado por conta disso. Isso não é política séria para a educação... o que seria exceção virou regra, os concursos que foram aplicados durante o governo Paulo Hartung também são farsas porque não disponibilizavam as reais necessidades das vagas... são poucas... uma avaliação extremamente desaconselhada, um tipo de prova que, se nós aplicássemos aos nossos alunos, certamente seriamos penalizados. Nenhum professor aplica esse tipo de prova, porque isso não avalia, não tem sentido, e ainda querer fazer um curso para ver se o professor sabe dar aula. Se ele não aprendeu nos quatro anos ou cinco anos na universidade, com seis meses do curso do governo do Estado ele vai aprender a dar aula? É muita prepotência, muito desrespeito.

- Sobre o ensino fundamental de nove anos: como a educação infantil não recebe verba federal, transportaram da educação infantil para o fundamental uma série, mas as escolas estão preparadas estruturalmente para receber esse aluno de seis anos?

- Houve um prazo para que as escolas se preparassem. Vamos ter o próximo Plano Nacional da Educação (PNE) para os próximos dez anos, que está sendo formulado agora... vamos abordar esse tema em nosso congresso que acontecerá em dezembro, do Sindiupes. Mas os governos não se prepararam, infelizmente, a maioria, não.

- E o governo vende isso como uma vitrine, como se a iniciativa fosse salvar a escola...

- E não vai mudar muita coisa, porque vão ter que adaptar as estruturas físicas, não adaptadas. A maioria delas, quando tem que acrescentar uma sala, vem fazendo o que eu chamo de puxadinhos, com containeres. Ou são salas de lata ou de PVC revestidos de areia. Ou seja, o improviso virou a regra. E a gente entende que isso é muito grave. Fora isso, uma questão que vem se arrastando é a questão da relação do Fundeb e do Fundap. A gente entende, e o próprio MEC entende dessa forma, que o Fundap vem causando uma distorção, ele é irregular e isso a cada ano vem tirando uma verba considerável da educação, e isso vai se refletir, quando você tira investimento, na questão consequentemente do que você tem de qualidade, valorização para os nossos alunos. Essa então é a forma como vamos enfrentando a realidade. Dinheiro público indo para o setor privado, falta de gestão democrática e a implantação da visão economicista, neoliberal, na educação que não vem trazendo qualidade.

- De tudo isso que o senhor apresentou, o que apreendemos é que, das áreas sociais, a tese de que a educação é a que vai menos mal é equivocada?

- Essa tese está na perspectiva de quem vendeu notebook do empresariado, de quem excluiu os aposentados, os quadros multimídia que estão todos encaixotados, ninguém está usando, O que você poderia comprar com a verba para este equipamento? Está bom para as empresas terceirizadas da merenda escolar, que está servindo uma merenda de qualidade ruim, então para essas pessoas está bom. Agora, para o professor e para o aluno, não.