sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O ATÉ LOGO DO CORAÇÃO VALENTE



POR COSME RÍMOLI


Como não chorar junto com Washington?


Eram minhas as lágrimas que escorreram no seu rosto...

No desesperado abraço na esposa e nas filhas.

Eram suas.

As lágrimas eram de quem sabe um pouco do seu sofrimento por jogar futebol.

Mesmo com um deficiência congênita no coração, ele insistiu, arriscou.

Há anos enfrentou com coragem vários e vários diagnósticos que o mandavam parar de jogar.

"Eu confiei, apostei tudo no meu argentino.

Deus o colocou no meu caminho", me confidenciou Washington.

"Meu argentino" é como ele se refere ao médico Constantino Constantin, de Curitiba.

Depois de um cateterismo em 2003, ele foi dado como inapto ao futebol.

Só que Constantin não se conformou.

Enfrentou vários veredictos de colegas.

Arriscou a carreira pelo atacante.

"Ele me perguntou se eu confiava nele.

Respondi que sim.

E me garantiu que poderia jogar.

Foi a maior felicidade da minha vida", relembrou o jogador.

Washington estava jogando com toda a confiança quando aconteceu o fatídico caso Serginho.

O zagueiro do São Caetano que morreu diante das câmeras, no Morumbi, atuando contra o São Paulo.

"Vários idiotas disseram que Washington seria o próximo se continuasse a atuar", diz, raivoso, Constantin.

Washington teve de responder a inúmeras perguntas sobre o seu coração, a sua saúde depois de Serginho.

Isso inclusive desanimou dirigentes de dois clubes que o tiveram nas mãos: Palmeiras e Corinthians.

O atacante soube disso, mas disfarçou.

Fingia nunca ter tido conhecimento do interesse e do receio dos dois clubes.

Matou a vontade de atuar eu uma equipe poderosa paulista atuando no São Paulo.

Dentro de campo, por onde atuou, foi o jogador que todos esperavam.

Alto, forte, sem grande técnica, mas artilheiro.

O que todos não esperavam era a figura humana diferenciada, amiga de todos, prestativa.

Para tirá-lo do sério só o deixando na reserva, como nos seus últimos dias de Morumbi.

Os gols sempre foram seus companheiros.

De cabeça, pé direito, esquerdo, canela direita, canela esquerda, barriga, joelho direito, joelho esquerdo.

Enquanto teve disposição, força, nunca deixou de fazê-los.

Nos últimos meses, o estranho jejum de 14 partidas sem gols no Brasileiro.

Parece que um anjo o ouviu propor para as câmeras de tevê.

"Não me importa se eu não marcar mais e o Fluminense seja campeão do Brasil."

Ele fez essa proposta aos céus quando estava seis partidas em jejum.

Os anjos disseram Amém e ele ficou mais oito jogos sem fazer o que mais gostava no futebol.

A sua personalidade fez com que todos, sem exceção, os jogadores do Fluminense torcessem.

O gol da última partida, a que determinaria o título diante do Guarani deveria ser dele.

A torcida era reconhecimento pelo grande amigo de todos nas Laranjeiras.

Depois do Brasileiro, as férias e os exames profundos com Constantin.

Aos 35 anos, chegou com toda a força o diabetes.

O quadro clínico ficou perigoso demais.

Washington teve de pensar na família.

Na esposa, nos filhos.

E resolveu, finalmente, ceder.

Correu todos os riscos enquanto não era loucura.

Foi uma pessoa digna, exemplo para quem, infelizmente, tem problemas cardíacos.

Mostrou que é possível realizar o sonho e jogar futebol.

Mas também que a vida é mais importante do que tudo.

E até na aposentadoria ele dá um exemplo tão ou até mais importante.

Mesmo pronto para jogar mais um ano, com contrato na mesa, time na Libertadores, ele teve de dizer não.

O 'chega' veio com água nos olhos.

O choro veio sentido de quem queria mais uma temporada, um ano só.

Mas feliz pelos sete anos a mais, quando muitos já davam a sua carreira por encerrada.

Washington, vá seguir a sua vida...

Criar as suas filhas certo do dever cumprido.

O importante foi a sua luta.

Ninguém neste País mereceu mais o apelido de Coração Valente do que você.

Suas lágrimas não são só suas...

São minhas...

São de quem compreende o que é colocar a vida em risco...

Por vontade de jogar um esporte batizado de futebol...