sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O DIREITO DE SER REPOVADO



Por: Tribuna de Ribeirao Preto


Fomos educados e educamos para o sucesso. Ser o primeiro, ser o melhor, ser único, ser perfeito. Falácias. Como conceber uma sociedade só de primeiros, melhores, únicos e perfeitos? É verdade, vá lá, podemos ser, sim, os melhores em alguma coisa de vez em quando. Mas não em tudo sempre. Não há sucesso sem fracasso e um não teria significado sem o outro.

Desconfio até que os tropeços ensinam mais que os êxitos. E todo o blá,blá,blá que você já conhece e que pode ser resumido assim: todos nós, um dia, vamos dar (ou já demos e muito) com a cara no muro e será nessa hora que saberemos quem somos de fato. Se aceitarmos a derrota, assumirmos a responsabilidade pelo ocorrido, poderemos crescer e seguir. A recusa, a fuga, a transferência, a busca de culpados nos paralisam e nos diminuem. Errar é mesmo o que nos faz humano. Negar o erro é tentar ser Deus e sofrer.


A escola deveria nos mostrar isto: o erro não é bom nem mau, é apenas um fato da vida, assim como o acerto. Mas não é isso que a escola faz. De maneira geral, a “repetência” é vista como um final infeliz, uma tragédia, um estigma. Aluno “repetente” é aluno problema, é diferente, é um caso complicado. A progressão continuada pretendia eliminar esse fantasma. Apenas deixou de enxergá-lo. Sem reprovação, não há repetentes, mas ainda persistem, ironicamente, os reprovados, pois é isso que é um aluno de oitava série que não sabe escrever o próprio nome. Um reprovado pelo mercado de trabalho, pela sociedade, pela vida.


Nas escolas da rede pública, não há a progressão continuada oficial, mas há, de maneira geral, uma oficiosa, que pressiona os professores a aprovar seus alunos. Há até coordenadores e diretores que deixam no ar uma sugestão perniciosa: aluno reprovado é sinal de professor incompetente. Para evitar esse mal-estar: recuperações sem fim, avaliações sem desafios, um ponto a mais aqui, dois ou três ali, e o aluno vai seguindo. É o empurrãozinho. Empurrãozinho com a barriga

Por outro lado, os pais fazem de tudo para impedir que seus rebentos sejam reprovados. Os mesmos pais que, ao longo do ano, foram comunicados sobre as deficiências dos filhos e que não encontraram tempo nas agendas para comparecer a uma reunião de pais e mestres.


Quando recebem a confirmação da reprova, surgem do umbral e exigem uma reconsideração, um favorecimento, onde já se viu! meu filhinho tão perfeito! Até advogados aparecem com leis, petições, ameaças. Há quem consiga, com apoio total dos órgãos de educação, mudar a decisão “soberana” do conselho de classe.


Por que essa luta para impedir que um aluno seja reprovado? Achava, em minha eterna ingenuidade, que os motivos da família eram afetivos, algo como um instinto de proteção: “com os meus não!”.

Até existe isso, mas o principal fator que leva à recusa da reprovação, ao menos no contexto das escolas particulares, é material: “eu não paguei um ano de escola para nada”. Já a administração de muitas “empresas de ensino” vê a reprova como sinônimo de evasão de matrículas. O aluno vai passando. E o ensino passando muito mal.


Há escolas que são exceção. Nelas, a repetência é a melhor ajuda que se pode dar a certos alunos. É um mecanismo que impede que alguém sem os requisitos necessários mude de etapa e lhe garante a prerrogativa de percorrer aquele trecho novamente.


Nessas instituições, em vez de evitar a todo custo que o aluno seja reprovado, o que se faz é lutar contra o preconceito em relação ao erro. São escolas que acreditam que um ano cursado novamente não é um ano perdido. É um ano ganho, se for visto como uma chance de que aluno, pais e mestres reconheçam seus erros e acertos e possam mudar juntos.


Escolas que tentam mostrar que na vida é preciso conviver com os erros próprios e de terceiros e que isso não precisa ser um problema. Enfim, são educadores cientes de que “repetente” é apenas uma pessoa que exerceu seu direito de ser reprovado.