domingo, 20 de junho de 2010

CRÔNICA DE UM DESASTRE



Quando eu era criança, eu já era louco por futebol, isso eu nunca neguei. Além das primeiras peladas na rua ou na escola, ou das primeiras caneladas dentro de casa, o contato com o esporte bretão se dava nos estádios aqui da Grande Vitória. Estádio, obviamente, se trata de eufemismo: alguns eram campos alambrados e com algumas arquibancadas. Em especial, o Engenheiro Araripe, o estádio da Desportiva. Pelo menos uma duas ou três vezes por mês, eu estava lá, levado pelo meu pai. Se ele não conseguiu fazer com que eu torcesse pelo Fluminense, pelo menos conseguiu fazer com que eu torcesse pela Desportiva.

Todo torcedor além do seu time de preferência, tem uma espécie de time estepe. Até os anos 90, era um time por estado: assim que me tornei palmeirense, também adquiri simpatia pelo Cruzeiro, pelo Inter, pelo Coritiba, pelo Vitória, e por aí vai. A partir da citada década, a invasão de torneios europeus acrescentou um pouco mais nas minhas preferências: Barcelona, Schalke 04, Tottenham, Olympique Marseille, Ajax. Mal sabia porque escolhia esses times, mas torcia, nem que fosse para pegar o Jornal dos Sports (ou mais tarde, o Lance!) na segunda e conferir os resultados.

Talvez fosse diferente com o Barcelona: aquele time de Laudrup, Stoichkov, Koeman e Romário era genial. Pena que o baixinho ficou lá por tão pouco tempo. E o passar dos anos me fez admirar ainda mais o Barça: hoje ele está no mesmo patamar do Palmeiras na minha preferência. E do jeito que o Palmeiras vai mal, é melhor me apegar ao Barça mesmo.

Só que moro longe, muito longe ou a uma infinidade de distância desses times, menos a Desportiva. Quando eu era criança, o Sidney, xerifão da defesa jogava pelada com meu pai, e o Luiz Carlos (“Guerreiro”) era parente dos meus vizinhos. Os caras que eu via em campo, eu via na rua. Mais que isso, só os ídolos da várzea de perto de casa. Mas isso é outra história.

A Desportiva foi, até a virada do milênio, um time padrão Série B. Normalmente não tinha problemas com o rebaixamento, mas quase sempre ficava pelo meio do caminho. Em 1994, esteve perto do acesso, mas foi escandalosamente roubada em Goiás. Edmundo Lima Filho (filho de quem eu não conto), o antecessor do Edílson, tratou de classificar o Goiás por conta própria, inventando um pênalti no finzinho. Um político larápio não teria vergonha de cometer tamanha roubalheira.

Por falar em político, o presidente da Federação Capixaba, Marcus Vicente (ex-Deputado Federal, membro da vergonhosa “bancada da bola” e Secretário Estadual de Turismo), estava lá, mas o prestígio político que alardeia no cenário nacional é nulo. Sua administração é tão incompetente quanto a incompetência dos dirigentes dos clubes que ainda não apearam do poder essa decrépita gestão.

Em 1998, nova chance: disputou o quadrangular final da Série B, mas foi massacrada em Ribeirão preto pelo Botafogo local (5 a 1), quando só precisava de um empate. Antes disso, cedeu empates contra o próprio Botafogo e contra o Gama em casa. Pois bem. O ano seguinte foi o início de um novo tempo, que parecia ser de prosperidade. A Vale, que sustentava a Desportiva Ferroviária, se afastou de vez após a privatização, e a então Desportiva Ferroviária precisava de alento. E eis que apareceu Marcelo Villa-Forte, do grupo Franell, do ramo de combustíveis, que acerou a transformação da Associação Desportiva Ferroviária Vale do Rio Doce em Desportiva Capixaba S.A.

A Série B de 1999 já foi um desastre: 2 vitórias, 3 empates e 16 derrotas. Lanterna vexaminosa. Só não jogou a Série C pela virada de mesa da Copa João Havelange. O título capixaba de 2000 foi só uma ilusão. Novo rebaixamento em 2001, e outra queda em 2002, desta vez no Campeonato Capixaba. Parecia o fundo do poço. Mas dias piores viriam.

Antes disso, o vice da Segundinha Capixaba levou a Desportiva para a Primeira Divisão, onde só ficou um ano. A briga com a Federação foi só a desculpa para o Villa-Forte se livrar do brinquedinho que não agradava mais. E assim, após desistir do torneio, a diretoria não só desativou o futebol profissional como dividiu o campo em diversas quadras de society. E da Segunda Ponte eu via aquilo na esperança de renascimento. Em 2006, o time voltou para jogar a Segundinha de novo, mas conseguiu ser eliminada pela equipe amadora marrom do Tupy. Vexame.

Em 2007, novo retorno, desta vez mais consistente. Título da Segundinha, e no ano seguinte a contratação de Sávio para o time, o que foi um fracasso, mas valeu pelo retorno do ídolo 20 anos depois. No fim do ano, título da Copa Espírito Santo, em cima do Rio Branco, velho rival, que completava 23 anos sem títulos. Levantar a taça, revivendo os bons tempos, e esticar a fila do arquiinimigo. Soberbo!

Se o problema fosse restrito ao campo, ainda sim o mal seria menor. Quem vê o estádio por dentro, tem a verdadeira noção de que se trata de uma maquiagem. O campo está quase careca, os vestiários fedorentos, sala de musculação interditadas, as cadeiras em péssimo estado de conservação. Ano passado, duas torres de iluminação foram à leilão, sem compradores, para pagar as dívidas.

O técnico Cosme Eduardo, co-responsável pelo (des)planejamento, antes otimista na recuperação, desistiu de escrever a cartinha para o Papai Noel, e agora pede socorro para o poder público. Aquela velha história que “o-futebol-faz-parte-da-cultura-e-que-oferece-lazer-e-entretenimento-para-a-população...”, e mais algumas bobagens. Um grupo, chamado de Amigos da Desportiva, buscou apoio na iniciativa privada. De cem empresas procuradas, seis responderam à sondagem. Todas de forma negativa.

De tudo o que ele disse, pelo menos algo deve ser considerado: há mais de duas décadas o futebol capixaba vive às custas de mecenas, especialmente empresários e prefeituras do interior. O Rio Branco só não está pior que a Desportiva porque foi salvo pela venda do eternamente inacabado estádio Kléber Andrade para o governo estadual. Mas é bom ressaltar que a grana foi bem investida, e sendo assim, o jejum de 25 anos foi quebrado

O clube chegou ao fundo do poço, mas seus dirigentes parecem cavar o buraco para que ele se aprofunde. O rebaixamento em 2010 não foi obra do acaso.

A Desportiva, para não perder o trem da História, embarcou em uma locomotiva descarrilhada, comandada por um aventureiro que mal sabe pilotar um Ferrorama.