sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

OS DILEMAS DE BRUNO SENNA



Como alguns sabem, Bruno Senna figura lá no final da minha lista pilotos brasileiros de Fórmula 1 favoritos. Abaixo dele, só Pedro Paulo Diniz e seu dinheiro do império varejista da família. As pessoas não se conformam com isso. Elas tendem a pensar que faço isso porque eu supostamente não teria o menor apreço pelo seu tio. Calúnia das bravas, é claro. A única coisa que realmente me incomoda em Ayrton Senna é todo esse messianismo onipresente e onipotente que o ronda. E o mesmo vale para o Bruno.

O problema é com as circunstâncias que o levaram a competir pelo lugar de primeiro piloto da Renault com o alemão Nick Heidfeld. Eu sei que muitos aqui vão pensar que estou empreendendo uma cruzada a favor de Heidfeld, mas não é. Só quero fazer com que reflitam um pouco sobre o que é a carreira de Bruno Senna.

Em linhas gerais, Senna é um cara de carreira rápida e relativamente expressiva. Seu início no kart se deu em 1989, aos cinco anos de idade. Fez bons campeonatos em São Paulo, mas nada que chamasse muito a atenção.
 
O problema começa a partir daquele primeiro de maio de 1994. Morto Ayrton Senna, o automobilismo se tornou uma espécie de tabu na família. Bruno ainda gostava do negócio, mas ninguém mais queria ver um segundo Senna morrendo dentro de um carro de corrida. E sua carreira foi interrompida ali. A morte seu pai Flavio, dois anos depois, só enterrou de vez a ideia.

Muitos garotos com muito mais talento do que um Senna ou Schumacher simplesmente desaparecem porque não conseguem recursos para seguir em frente. Ou porque aquele moleque menos talentoso é filho de gente influente e tem um kart fora do regulamento, algo muito mais comum do que vocês imaginam.

Por isso, imagine você a reação de um jovem piloto do tipo Roberto Moreno quando vê que o sobrinho de um dos maiores pilotos de todos os tempos simplesmente passou por cima do kartismo e encontrou portas abertas e amigos com a maior facilidade do mundo unicamente por ser o sobrinho de um dos maiores.

Ouvi falar de Bruno Senna pela primeira vez no início de 2004, quando, por acaso, assisti a uma reportagem do Globo Esporte sobre ele. Desnecessário dizer que a reportagem intercalava trechos com as grandes corridas de seu tio. Naquele momento, Bruno Senna havia acabado de fazer um teste com um Fórmula Renault em Interlagos. O repórter, cujo nome confesso não me lembrar agora, disse algo como “Bruno foi bem para alguém que ficou de fora durante tanto tempo”.



Em 2004, havia bem mais pilotos brasileiros com potencial do que agora. Reflita: será que Bruno Senna era tão melhor do que todos eles a ponto de merecer tanta atenção assim? Nem Nelsinho Piquet, piloto que eu sempre achei absolutamente superestimado, mereceu o mesmo nível de atenção.
O argumento é óbvio: nenhum deles é um Senna. E aí que vem a constatação mais cruel: as pessoas estão pouco se importando com o Bruno. O que importa é o sobrenome. Pelo bem ou pelo mal, é simplesmente impossíveportando dissociá-lo da figura do Ayrton. É até chato para Bruno Senna, que se vê obrigado a escorar sua carreira nessa ligação. Poucos são os que prestam atenção no seu talento de forma crítica e isenta.
Enquanto muitos kartistas com muito mais talento do que dinheiro ou amigos sofrem para tentar um teste com um carro da Fórmula 3 sul-americana, Bruno conseguiu fazer sua reestreia no automobilismo diretamente na Fórmula BMW inglesa.

Graças ao sobrenome, aos bons patrocinadores e aos ótimos contatos, ele descolou um carro na poderosa Double R para correr na Fórmula 3 britânica! Como pode um cara que não havia completado sequer seis meses nessa nova fase da carreira descolar um carro tão bom, enquanto que um Danilo Dirani, piloto excelente que mostrou muito talento nas Fórmula 3 sul-americana e britânica, era obrigado a correr pela fraca P1?
Não vou me estender muito mais. No ano seguinte, ele descolou uma vaga na então melhor equipe do grid, a iSport. Apesar de ter vencido duas etapas e de ter se sagrado vice-campeão, foi um caso de carro que carregou o piloto nas costas. Senna fez boas apresentações em pista molhada, mas esteve apagado em várias ocasiões e não foi páreo para o campeão Giorgio Pantano. Lucas di Grassi, o terceiro colocado, fez seis corridas a menos e terminou um único ponto atrás. Independente do fato de Di Grassi ter vantagem prévia pelo fato de ter conhecido o carro antes dos seus concorrentes, não foi tão bom Senna ter ficado apenas um ponto à sua frente.

A partir daí, vocês sabem da história. Uma sessão de testes na Honda, um ano na LMS, a Hispania e o vestibular da Renault. Enquanto isso, onde estão os nomes que o bateram em algum momento? Onde estão aqueles pilotos que demonstraram talento puro nas categorias de base?
Há quem diga que seus resultados de base são bons o suficiente para credenciá-lo à uma vaga na Renault. Que base? Ele caiu de paraquedas na melhor equipe da Fórmula BMW e arranjou uma boa vaga na equipe que chegou a ser campeã de Fórmula 3 britânica sem ter qualquer retrospecto. Na GP2, teve poucas dificuldades em arranjar lugares na razoável Arden e na poderosa iSport, desempregando gente com mais talento. Com equipes tão boas e apoio geral, não é difícil obter bons resultados.

Há quem siga pelo outro lado, apontando que resultados em categorias de base não contam e o que importa é impressionar na Fórmula 1. Então vamos fechar as categorias de base. E que as equipes de Fórmula 1 só contratem quem convier. É pra contratar pelo dinheiro? Coloquem o Bill Gates e o Eike Baptista. Uns três anos de treinos e voilà!, temos um piloto. É pra contratar pelo nome? É óbvio que isso é um exagero, mas se as pessoas se dispõem a “perdoar” o passado do Bruno Senna, por que não perdoariam qualquer outro piloto?

Deixo claro: acho Bruno Senna um piloto com qualidades e considero que, nas condições atuais, ele tem lugar na Fórmula 1. O que me incomoda é que ele recebe muito mais oportunidades do que seu talento, que está longe de ser inexistente, permitiria. E não adianta: seu sobrenome conta muito.

Inconscientemente, as pessoas querem um Senna ali, ainda mais naquela Renault preta e dourada. Eu fico do lado de gente como Lucas di Grassi e Roberto Moreno: trabalhar a vida inteira e mostrar resultados para colher menos frutos do que um sujeito de sobrenome nobre deve ser frustrante pra cacete.