quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A DITADURA DA BOLA



A FIFA se apresenta como uma entidade supranacional e apolítica, a guardiã do futebol, a quem apresenta como um fator de união entre povos, quase um instrumento de paz. A sua quantidade de membros, superior à das Nações Unidas, é o seu principal trunfo, além é claro, da popularidade em si que tem o futebol.

“Fair Play”, “No to Racism” e “For the Good of the Game” são alguns de seus lemas.
Antes de prosseguir, é bom afirmar que a FIFA tem entre seus filiados Estados não-independentes, coisa que a ONU não conta: enquanto Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte se reúnem perante a Comunidade Internacional sob a bandeira do Reino Unido, no mundo do futebol se apresentam separadamente.

Para reforçar a imagem de mensageira da paz, a entidade comandada por Josep Blatter, faz até caridade, com investimentos em países pobres, como o chamado Projeto Goal, através do qual foram construídos estádios e obras infra-estruturais em países com pouca expressão ou pouco dinheiro.

Por trás dessa capa de boazinha, está uma estrutura vertical, que pune severamente quem ousa discutir suas determinações fora de sua esfera, e é capaz de afastar das competições clubes que vão à Justiça Comum para fazer valer os seus direitos. Isso sem contar o afastamento de Federações que sofrem intervenções estatais, sob a justificativa de proteger seus filiados da intervenção maléfica de quem “ousa prejudicar a lisura do jogo”.

E é essa mesma entidade heróica que se alia a ditaduras retrógradas para reforçar o seu poder, como as retrógradas Monarquias do Oriente Médio, cujos petrodólares atiçam o tino comercial dos chefões do futebol.

Considerando-se acima de qualquer Estado, exige alterações no sistema legal de países onde ela realiza suas competições, especialmente a Copa do Mundo, que na última edição, em 2010, passou a ser chamada pelas emissoras com direitos de transmissão de Copa do Mundo FIFA.

A estrutura hierárquica da entidade resume as decisões do esporte mais popular do Planeta a um pequeno grupo; as decisões sobre as regras (sempre um ponto sensível) são tomadas em conjunto com a International Board, um órgão ainda mais jurássico que a própria FIFA. No máximo, as Federações Nacionais têm acesso às discussões. Os jogadores, principais atores do espetáculo são tratados como empregados , e qualquer tentativa de criação de um Sindicato, ou qualquer coisa semelhante, é tratada como um ato inadmissível. Os Sindicatos Nacionais que já são atuantes são tratados com desprezo.

Para justificar a não alteração das regras, Blatter apela para a “boa polêmica”, a discussão de mesa de bar, da roda de amigos, que estende o jogo para muito além do seu tempo de realização. A rejeição aos recursos eletrônicos para auxiliar a arbitragem tem até uma explicação parcialmente plausível: nem todos os organizadores têm condições de adotá-los, especialmente em competições sem tantos recursos. Só que essa mesma rejeição dá margem à erros de arbitragem grosseiros, cuja suspeição é frequentemente levantada. A profissionalização da arbitragem é protelada há décadas e a sua autonomia é tratada como uma ofensa.

A estrutura vertical da FIFA lembra de certa forma, o Parlamento Brasileiro, especialmente no que diz respeito aos chamados alto e baixo clero. E tal como o Legislativo do Brasil, os membros do baixo clero barganham o apoio em troca de benesses. E assim, o Mundial, que tinha 16 membros em 1978, dobrou de tamanho vinte anos depois. E já há quem defenda a inclusão de mais oito para o torneio de 2018.
Em 1966, diversas federações de África e Ásia exigiram, e não conseguiram a ampliação de suas vagas para a Copa que seria realizada na Inglaterra.

João Havelange soube muito bem manobrar dentre os descontentes para vencer Stanley Rous e tirá-lo do comando da entidade, oito anos depois. Também foram africanos e asiáticos, que aliados a europeus (que lançaram o presidente da UEFA, Lennart Johansson, como candidato à presidência da FIFA) quase impediram que Havelange fizesse de Blatter o seu sucessor. A eleição do suíço foi cercada de boatos acerca de acordos de bastidores, muitos dos quais espúrios.

Para agradar o chamado baixo clero e aliados de países sem condições de receber uma Copa do Mundo, os torneios secundários, como os Mundias Sub-17 e Sub-20, forma usados como moeda de troca. Um deles, o Sub-20 que seria realizada na Nigéria, em 1995, foi transferida para o Catar por problemas sanitários, o que gerou protestos de diversas federações africanas e um boicote do continente ao torneio. Esse foi um dos focos de rebelião que quase impedira a eleição de Blatter, três anos depois.

Ainda há a relação tensa com os clubes, quem realmente paga a conta. Por conta disso, a FIFA foi obrigada a fazer concessões, como a criação das Datas-FIFA, únicos períodos (fora as competições oficiais) onde os clubes são obrigados a liberarem seus atketas para os selecionados nacionais, embora apoie a UEFA em sua iniciativa de limitar a quantidade de estrangeiros, na contra-mão da globalização da mã-de-obra e até mesmo da legislação da União Europeia, que trouxe novas regras para a migração interna de seus trabalhadores. Só que a União Europeia não é exatamente um interlocutor fácil de ser manipulado, como os próprios clubes perceberam quando tentaram impedir a chamada Lei Bosman.

Até 1974, a FIFA funcionava basicamente sob os moldes da herança de Jules Rimet, uma entidade de pouca interferência em seus filiados e que se notabilizava muito mais por organizar as Copas do Mundo. Com Havelange, tornou-se um negócio de bilhões, uma empresa com poder político e econômico que poucas multinacionais têm. O dirigente posa de estadista, um missionário que expandiu o futebol pelo mundo, mas na verdade, foi um grande executivo, que eliminou ou cooptou a concorrência ao seu poder.

O futebol pode até ser um esporte democrático dentro das quatro linhas, mas em seu comando é hermeticamente fechado, e parece impossível de ser aberto.