sexta-feira, 12 de novembro de 2010

¿POR QUÉ NO TE CALLAS?

 

 Do Blog Contextualizado

“¿Por qué no te callas?” e a campanha eleitoral no Brasil



Tenho tido pouco tempo para me dedicar ao blog, e faz um bom tempo que já pensava em fazer alguns comentários aqui sobre a campanha, a vontade reascendeu com o episódio “¿Por qué no te callas?”, ocorrido em um evento na França em que o candidato derrotado nas eleições presidenciais brasileiras, José Serra, ouviu a sonora expressão de um mexicano que estava na platéia.

No evento, Serra fez pesadas críticas ao governo Lula e ao PT, conceituou o Brasil como um país atrasado, fechado e anti-democrático. Foi um discurso nitidamente ressentido, o ex-governador e ministro, assim como em seu pronunciamento oficial após as eleições, tentou deslegitimar a vontade expressa pelo povo brasileiro nas urnas.


São manifestações não condizentes com o que se espera de alguém que se intitula um defensor do sistema democrático, mas não surpreendem. José Serra apenas levou para o exterior a baixaria da pior campanha presidencial depois da redemocratização. A eleição para a presidência da república foi vazia, despolitizada e concentrada em boatos e ataques pessoais.


Campanha Eleitoral


A democracia no Brasil foi restabelecida a mais de 20 anos, ao menos no campo macro-político, o país parecia ter atingido uma maturidade e a eleição deste ano tinha tudo para consolidar isso. Já no primeiro turno, a candidatura Dilma teve uma postura de transformar a eleição em um plebiscito sobre o governo Lula e seus mais de 80% de aprovação, mesmo sem experiência eleitoral (eleitoral, não política ou administrativa, onde Dilma tem muita história) ficou a cerca de 3% de vencer no primeiro turno, a estratégia foi válida e é legítima.


Poucos partidos tiveram de fato uma discussão política do momento, mas a inexpressividade eleitoral, social e a legislação não permitiram que essa discussão fosse ampliada, o PCB (Partido Comunista Brasileiro) é o maior exemplo disso. O PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) tinha uma possibilidade maior disso, com o candidato Plinio de Arruda mais destacado na mídia e com participações nos debates, mas preferiu o discurso fácil e o oportunismo, além de ideias deturpadas.


Minimamente, a candidatura Marina Silva, do PV (Partido Verde) conseguiu inserir uma pauta durante a campanha, a questão ecológica, porém a campanha de Marina também não fez disso uma boa campanha, com uma visão simplista e senso-comum, os votos de Marina no primeiro turno (perto de 20% que forçaram um segundo turno) foram motivados por esse discurso, pelo voto evangélico, mas principalmente pela visualização de uma candidatura fora da divisão PT X PSDB das últimas cinco eleições presidenciais.


O Aborto e a Campanha do Segundo Turno


O segundo turno foi triste. Dilma começou comparando os governos dos dois partidos na disputa, Serra intensificou a baixaria, a candidatura do PT respondeu e a oportunidade de uma discussão de verdade acabou. A discussão mais emblemática foi a do aborto.


O aborto tem sido uma discussão eleitoral muito presente em alguns países, não é um tema a ser ignorado, mesmo que não seja central. O Brasil precisa deixar de hipocrisia e discutir o aborto e não há problema em se discutir durante um processo eleitoral, muito pelo contrário. A questão é como discutir, certamente não nos termos em que foram discutidos no Brasil.


A questão do aborto não é uma questão de ser a favor ou contra, é muito mais do que isso. A sociedade brasileira deveria ter discutido o aborto como questão de saúde pública, e daí formar uma opinião em relação à proibição, à descriminalização ou à liberação, isso não significa que os motivos morais e religiosos sejam de todo inválidos, o que eles não podem é serem usados de maneira torpe e enganosa.


Em público, Verônica Serra, mulher do candidato do PSDB, declarou que a candidata adversária era a favor de “matar criancinhas”, declaração deplorável, baixa. De maneira reativa, se levantou uma suspeita que a própria Verônica teria abortado, pegou mal e deslegitimou o discurso, mas fez parecer que Verônica, inegavelmente oportunista em suas declarações, seria também uma “criminosa”. Definitivamente, não era o debate sobre aborto que a sociedade brasileira merecia, em um país com mais de 90% de cristãos, os preconceitos deveriam ter sidos desfeitos, a campanha presidencial serviu para aumentar.


Não bastasse isso, a internet virou um campo fértil para a baixaria e para semeação de versões mentirosas: o Brasil retrocedeu na questão dos direitos humanos, a luta armada contra a ditadura militar virou terrorismo, a mídia vendeu a ideia de que controle social (em uma atividade que é concessão do poder público) é censura, os movimentos sociais foram abertamente tratados como organizações criminosas.


As declarações posteriores de José Serra mostram que a baixaria não terminou e que, provavelmente, este será o espírito do debate (ou da falta de) sem a presença popular do presidente Lula no Palácio do Planalto. Quem perde com isso não é Dilma, Serra, o PT ou o PSDB, é o Brasil como um todo e a democracia.