segunda-feira, 24 de outubro de 2011

REPITA: "JO NO SÉ PARLAR CATALÁ"


Del Bosque tem que administrar conflitos internos na Fúria

http://trivela.uol.com.br/coluna/espanha/no-se-parlar-catala

Difícil imaginar uma polêmica mais gratuita. Após Real Madrid x Espanyol, um repórter que cobria o clube barcelonês fez uma pergunta em catalão para José Mourinho. O técnico pediu para responder em espanhol (vulgo castelhano). Tudo tranquilo, até um jornalista estrangeiro fez uma pergunta em inglês e teve resposta em inglês. Indignação entre os catalães. Por que os ingleses recebem resposta em seu idioma e os catalães não?

José Mourinho adora criar picuinha, adora transformar coisas minúsculas em acidentes diplomáticos irreversíveis. Mas, nesse caso, fica a sensação de que a imprensa quis criar um problema que não existia. Com a solidificação de alguns líderes políticos catalães e a crescente rivalidade entre Barcelona e Real Madrid, a Catalunha começa a viver um clima em que abraçar o catalanismo se torna obrigação. Durante décadas, manter a língua catalã era uma maneira de resistir à dominação castelhana e manter a identidade regional. Um processo valioso. Mas, agora, há momentos em que se extrapola. Passa a haver uma exigência de expor isso a todo momento, como se fosse mostrar a força catalã diante do resto do país.

Esse tema já chegou à seleção espanhola. Em uma coletiva, há um ano, a imprensa catalã pediu para Piqué dar uma resposta em catalão. O zagueiro concordou, mas diplomaticamente perguntou se ele próprio se encarregaria de fazer a tradução para o espanhol. Sergio Ramos, que também participava da entrevista, se irritou com a atitude do jornalista e sugeriu ao colega de defesa a traduzir para o andaluz. Nenhum jornalista basco, andaluz, valenciano ou galego fez pergunta na língua de sua região.

Até quem não é catalão já sofreu com isso. Em 2006, quando defendia o Barcelona, Eto’o não entendeu uma pergunta feita em catalão. Foi repreendido pela direção do clube, que disse que providenciaria aulas para o atacante (que aprendeu espanhol quando defendeu o Real Madrid, ainda adolescente). Durante os Jogos Olímpicos de 2008, Rafael Nadal também não compreendeu uma pergunta feita em catalão. Um líder político nacionalista o acusou de não ter consideração com a Catalunha e os jornalistas catalães. Detalhe: o tenista nasceu nas Ilhas Baleares (onde o catalão também é idioma oficial, mas menos difundido que na Catalunha) e só se mudou para Barcelona aos 14 anos. Se Eto’o e Nadal foram morar na Catalunha quando já eram fluentes em espanhol, é cabível que não tenham precisado aprender a língua regional.

A relação dos catalães com a seleção espanhola é dúbia. A maior parte da região torceu pela Fúria na Copa de 2010, mas demonstrar isso poderia levar à discriminação. Por isso, muitos ficaram quietos, ou comemoraram o título com comedimento. Os jogadores catalães da seleção têm de lidar com essas pressões a todo momento. Afirmam e reafirmam o comprometimento com a Espanha, ao mesmo tempo em que afirmam e reafirmam o apego ao catalanismo. Eles preferiam a criação de uma seleção catalã própria, como defende Joan Laporta, ex-presidente do Barça? Dizem que sim para a imprensa catalã, dizem que amam a Espanha para a imprensa madrilenha.

No geral, o grupo de Vicente del Bosque mostra um grande desprendimento, e compreensão de como é preciso agir com inteligência para aproveitar o momento. Os catalães Xavi, Busquets, Fàbregas, Valdés, Piqué e Puyol formam a melhor seleção nacional dos últimos anos quando se juntam a Xabi Alonso (basco), Javi Martínez (navarro), Casillas (castelhano), Iniesta (manchego), Sergio Ramos (andaluz), David Silva (canário) e David Villa (asturiano). E só passando por cima dos atritos Barça x Real criados por Mourinho ou do nacionalismo incitado por parte da imprensa catalã para isso.

Sorte de quem gosta dessa seleção espanhola, espanhol ou não, catalão ou não.

Obs.: o título do texto é “não sei falar catalão” em catalão.